quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

ESSES MOÇOS


Inicío por enaltecer a música,que emoldura os nossos dias e cujos acordes , mais rútilas fulgurâncias, entornam de poesia o quotidiano. Melodias despidas de letras são quadros sem moldura. Admiro o fraseado perspicaz, adornado de encantos e sentido filosófico, sinalizando rotas e prevenindo descaminhos. Valho-me do velho Lupi, ao insculpir sábio preceito no seu enluarado samba-canção “Esses Moços”, assim recortado: “...Saibam que deixam o céu por ser escuro /E vão ao inferno à procura de luz...” A meu juízo, a frase mais bonita da música popular brasileira. Atentem bem para a sua profundidade: céu escuro, o celibato; inferno com luz, o casamento! Pouca gente sabe, Túlio Piva me contou: um amigo de Lupiscínio (cujo nome prefiro omitir) estava prestes a casar. Lupi, cultor das madrugadas e notívago por excelência, desaprovava o enlace, por razões de foro íntimo. Desconfiava que a noiva não seria a mulher ideal para o companheiro. De outra parte, estava convicto de que o enlace implicaria na perda do velho parceiro de tantas noitadas. Então, a título de advertência, compôs esse esplêndido hino laudatório da boemia e candente libelo contra os grilhões matrimoniais. Consta que, apesar disso, o casamento foi celebrado e a cônjuge mulher teria cortado relações com o compositor, esfriando a amizade preexistente. Histórias que a vida se encarregou de tecer, servindo de mote e inspiração para mais uma obra prima do nosso cancioneiro.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

FALÊNCIA NUPCIAL


Escrevo sobre o casamento, dissertando em tese, nada pessoal. Recente entrevista nos dá conta do ínfimo percentual de uniões felizes. Evidência maior da derrocada casamenteira, decorrente das dificuldades de harmonioso convívio envolvendo personalidades incompatíveis, maioria das vezes sem qualquer afinidade. Segundo preconiza o nosso direito positivo, as sociedades, in genere, constituem perenes fontes de atrito e pressupõem a existência de um líder, que as gerencie e detenha o poder de mando, a supervisão dos interesses comuns. Em contrapartida, sociedade que é, na conjugal se afigura impraticável a apregoada igualdade entre os consortes. Um ou outro deverá, necessariamente, empunhar as rédeas da comunhão societária. Daí os conflituosos atritos, as implicantes farpas, as desconfianças e reciprocidade de provocações, tornando tempestuosas as relações entre casais. Iniludível o raciocínio de que o matrimônio é fonte e matriz de discórdias! Até porque as criaturas sofrem mutações no decorrer do tempo, evoluindo umas, outras ficando estagnadas. É quando sobressai o diferencial, explodem as ciumeiras e malquerenças, próprias de uma convivência rotineira e acomodatícia, quase sempre possessiva e castradora da privacidade e do livre arbítrio das criaturas. Sexo? Só na efêmera lua de mel. Com o tempo, a atração vai esmaecendo, até o apagar da chama. Não obstante, a igreja e o Estado, espertamente, vislumbraram nessa aberratio, nos grilhões que aferroam a sociedade nupcial, a fórmula ideal para amestrar pessoas, manietando-as com os torniquetes da lei e dos “sacrossantos” dogmas religiosos. Foi assim que a cristandade passou a fazer parte do imenso rebanho pastoreado por religião e politicalha. Não bastasse a absurda indissolubilidade do vínculo esponsalício, imposto pelas catequeses e crendices religiosas, o Estado passou a estender seus poderosos tentáculos, inclusive se imiscuindo nas relações de ordem estritamente familiar e também nos direitos inalienáveis do indivíduo, privando-o do supremo bem que é a liberdade.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

FESTIVAL DA MISÉRIA


Oportuna a recente denúncia alusiva ao abarrotamento de carros nas vias públicas, corolário das benesses do governo às montadoras. Verberava-se a dilatação de prazos e juros escorchantes, prenunciando inadimplência e alta da inflação. Lamentava-se a ingenuidade do pobre, induzido por solerte demagogia, agora a desfilar em carro zero, mas habitando pardieiros. Frente às advertências, a mídia se ouriçou, histérica e encanzinada: “então, o pobre não pode ter automóvel?” Os corifeus, essa elite que se apascenta de privilégios e mordomias, assomada por faniquitos e síndromes neurológicas, esganiçou-se, em alvoroço. Ardilosos e com falsos melindres, os apaniguados se arvoraram em defensores dos desvalidos, refutando as patrióticas denúncias contra o servilismo e a corrupção. Ora, em nosso país reina a miséria e o analfabetismo; o caos na saúde pública; a insegurança e a impunidade, de par com a ostentação e os pruridos de uma casta que se aboletou no poder com ganância e anseios de perpetuidade. As prioridades foram relegadas a um segundo plano. A verdade salta aos olhos, de forma cristalina: constitui despautério incentivar o desenfreado consumismo num país atrasado como o nosso! Criminoso o despropósito de estimular o assalariado, de minguados recursos, a assumir dívidas impagáveis, em detrimento do sustento familiar, da moradia, da alimentação e da escolaridade. A destempo, o governo recua, num tácito reconhecimento do erro. A inflação acelera e a quebradeira é iminente. Lástima que as anunciadas restrições aos novos financiamentos, envolvendo prazos e condições, sejam paliativas e de curta duração. Trata-se de panacéia que não implica em correção de rumo. Pobre nação a nossa, que sobrepõe posses, vaidades, consumismo, futebol e carnaval, acima dos primaciais fatores que dignificam o ente humano, na sublime elevação do ser existencial.