terça-feira, 24 de maio de 2011

INSEGURANÇA E IMPUNIDADE


“Te acordás hermano, que tiempos aquellos”! Lembro do meu Santiago antigo, quando inexistiam grades e as pessoas eram confiáveis, com a mais valia do fio de barba selando tratativas. Tempos de cadeiras nas calçadas, prosas à luz da lua, com as casas de janelas abertas e portas escancaradas para a rua. Eram noites de encantamento, sob o céu mais lindo e estrelejado que um vivente já descortinou. Em contrapartida, salta aos olhos o quadro contristador dos nossos dias. A insegurança campeia, sob o manto da impunidade. Os marginais roubam e matam com requintes de selvageria e perversidade. Urge modificar a legislação vigente, estipulando-se penas draconianas para os delinqüentes. Cadeia e relhaço neles, sem contemplação! Por sua vez, a droga é mercadejada até mesmo sob os auspícios de parlamentares. Faz-se vista grossa ao contrabando de armas, cujos arsenais atravessam livremente as nossas fronteiras, municiando e tornando imbatíveis os infratores. Claro, os responsáveis por essa desdita estão bem acobertados, assistindo de camarote ao funambulesco espetáculo de um país em derrocada. Cercados e protegidos por seguranças, circulam em seus carrões blindados, ridentes e fagueiros, enquanto a população, desamparada, clama e geme por dias mais tranqüilos.

terça-feira, 17 de maio de 2011

NO RASTRO DA LOUCURA



Difícil encontrar gente normal! Realmente, raras as pessoas sensatas, de juízo perfeito. Erasmo de Rotterdam escreveu o “Elogio da Loucura”, livro consagrado através dos séculos, com substrato de marcante atualidade. Acerba crítica aos tradicionais valores, preconizando a libertação, o prazer e o desprezo à opressiva racionalidade. Personificada na obra, a loucura se expressava dizendo habitar o casamento, as leis, a ciência, as artes e a religião, como regente da política, do urbanismo e das relações humanas, incriminando a sabedoria como veneno da vida. Felizes, indago, seriam somente os mentecaptos? Contristador o tresloucado vezo imitativo dos cidadãos, prática habitual dos seus trejeitos e maneirismos, díspares com o conceitual de indivíduo. Somos criaturas simiescas, sem criatividade, uniformizadas na vestimenta e nos atavios da vaidade, subjugadas ao consumismo. Homens trajando idênticas roupagens, mulheres desfilando em iguais vestimentas, todos habitando cidades e prédios de mesmíssima conformação e estilo. Certo estaria Niestche, ao afirmar que a razão escraviza o homem, levando-o à maluquice. Daí porque resultamos todos emaranhados no desvario das paixões e enredados nas teias do amor, sentimento mais nobre, não desprovido de torturantes loucuras...

sábado, 14 de maio de 2011

CONTRASTES CITADINOS


Aportei no Rio de Janeiro pela quarta vez. Como sempre, deslumbrado com as suas belezas naturais, dias ensolarados, o azul-verde do mar, profusão de bares apinhados de gente assomada por contagiante alegria de viver. Festa de brilho, cores e musicalidade! A Lapa boêmia, agora reestruturada, resplandecente ao ritmo febril do samba bem brasileiro. E o carioca, cioso das suas origens, ufanoso das dádivas que lhe foram aquinhoadas pela mãe natureza. Lá, recolhi preciosas lições: nunca me deparei com gente tão educada, transfundindo cortesia e calor humano. Metrô, ônibus e táxis em abundância, atenciosos motoristas prodigalizando afabilidade e sabedoria. Expurgados os morros dos traficantes e drogados, a segurança é uma realidade. Paraíso turístico, centro de lazer e cultura, gente afluindo de todos os recantos da terra. A cidade não dorme, atravessando noites e dias iluminada pelo sol ou pelas feéricas luzes noturnas! Metrópole mais linda do mundo, segundo o consenso geral. Daí porque hoje “Rio” sozinho, relembrando os momentos radiosos então revividos. Tudo isso de par com uma frustrante aflição causada pelo amargor do regresso! Guardadas as proporções, é desalentador retornar a Floripa e se defrontar com o atraso citadino. Aqui, sobreleva a incúria dos governantes, contumazes na prática de uma politicagem eleitoreira e rastejante, decantada por uma mídia interesseira, conivente, submissa e tonitruante no alardeio de arreglos e sinecuras para os apaniguados. Enquanto isso, Florianópolis está relegada a criminoso abandono, com deficiências no transporte público, na mobilidade urbana, nos serviços de táxis, no transporte marítimo, nas obras viárias e na segurança pública. Como se não bastasse, a "burrocracia" impera, o mar é uma cloaca, as praias abandonadas, o saneamento básico uma calamidade. Tudo isso, aliado a um custo de vida altíssimo, preços escorchantes e total despreparo para receber visitantes e turistas! Parodiando o slogan ufanista da ditadura militar, alguém poderia contrapor: "Floripa, ame-a ou deixe-a"... Absolutamente não é o caso, pois esta ilha já foi paradisíaca, há tempos atrás! Daí porque se afigura válida e propositada a crítica construtiva, tal como ora exposta, de forma circunstanciada, no intento de contribuir para uma melhor qualidade de vida. Importante colocar em evidência o contraste entre passado e presente. Dirão alguns, ingenuamente: é o progresso, corolário, talvez, do maior afluxo populacional. Tal argumentação cai por terra, bastando trazer, como parâmetros, comunidades mais progressistas e administradas com mais capacidade, visão e descortino. Rio de Janeiro é prevalecimento, mas Camboriu, aqui bem próxima, constitui significante exemplo ilustrativo. Verdade que o despreparo dos responsáveis está contribuindo, decisivamente, para que a ilha, que já foi da magia, submerja sob o marasmo da incompetência, de molde a fazer jus ao antigo designativo de "Ilha do Desterro"...

segunda-feira, 2 de maio de 2011

NO TEATRO DA VIDA


Abre-se a cortina, novo cenário. Palco iluminado, personagens controvertidas, encenando peças que a vida prega. Valho-me da verve e da genialidade de Nelson Rodrigues. Numa das suas notáveis crônicas sobre os costumes, narrava o prosaico viver de um chefe de família, devotado trabalhador. Tão apegado ao trabalho que levantava às 4:00 hs da matina, todos os dias, tomava banho e se engravatava, seguindo, impávido, para o emprego. Às amigas, a esposa não se cansava de elogiar a dedicação do marido. Porém, segundo o relato rodrigueano, aquele diligente trabalhador não rumava para o emprego, mas sim para famigerado cabaré da zona, onde as percantas bailavam até o amanhecer. Lá chegando, fim de noite, perfumoso, bem barbeado e vestido com aprumo, era requestado pelas mais belas mulheres, sobrepujando os demais varões, babujantes, alcoolizados e cheirando a cigarro. Lição de vida como ela é! Caso típico de dupla personalidade e de falsas aparências, textualizado em nova montagem. Versejando, já sustentei: livre dos grilhões ferinos, liberto dos sociais enleios, o homem anseia por se desvencilhar do massacre da rotina e do dever nefando. Acertado - quem sabe? - estaria Oscar Wilde, ao afiançar que não se deve resistir às tentações, pois pode ser que elas não voltem...