quarta-feira, 31 de agosto de 2011

FALSAS APARÊNCIAS





De longe, núcleos familiares parecem redutos celestiais, onde reinam a paz e a concórdia. Não obstante, medram ali perfídias, discórdias e intolerâncias. Guardadas as proporções, propala a mídia que o nosso país vive num mar de rosas. Alardeia que saúde, educação, segurança, tudo estaria sob controle. Corifeus sustentam ser a corrupção coisa de rotina! Esses despautérios me fazem lembrar de Saramago, in “Ensaio sobre a Cegueira”, quando retrata o colapso da sociedade. Cegos, estaríamos nós também? As incongruências são evidentes. Prova disso o noticiário televisivo. Nauseabunda a veiculação de horrores envolvendo crimes hediondos, roubos e falcatruas! Revolta constatar a bovina complacência das autoridades. Assim como acorrem, embezerradas, fanáticas multidões aos campos de futebol, por que não se arregimenta essa legião de párias a clamar por urgentes providências para solver o caos da insegurança? Politicagem repugnante, país assolado pela miséria! Partidos são trampolins para safadezas. Bem comum, ideário, desprendimento, o que é isso? Políticos, em sua maioria, só pensam naquilo: reeleição e vantagens! Useiros no vezo do nepotismo, da sinecura e do compadresco. Contumazes nas práticas da demagogia, ludíbrio da plebe e absoluto descaso com a coisa pública.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

TARDE GRIS


Abomino a invernia! Debandei do pago, como retirante em fuga, banido pela inclemência do clima, dos dias invernosos, sombrios e acinzentados. Belíssimo tango emoldura esse cenário, num lacrimoso e nostálgico recorte: “Qué ganas de llorar en esta tarde gris...” Maior o frio, mais se encolhem as criaturas, fungando, encorujadas nos seus tugúrios, em depressivo recolhimento. Ruas desertas, bares e restaurantes vazios, a natureza silente e apassivada, em recesso! Tempos de hibernação, a dormitar feito ursos, à espreita do verão. Só gostam dessa gelidez os que desapreciam os belos contornos feminis: na frialdade, as mulheres sonegam ao visual sua maciez de pele e curvilíneas formas, ocultas debaixo de lãs e casacões! Quando resplandece o sol, na tepidez dos trópicos, tudo é festa, estuante é o amor, ao despertar de ardências e febris desejos, em exaltações ao renascer da vida. Cariocas e nordestinos são admirados pelo bom humor. E nós, aqui do Sul, pela introspecção e belicosidade. Mas nem tudo está perdido: resta-nos o consolo da gastronomia farta, da opulência das massas, dos saborosos queijos e capitosos vinhos. Tudo ao calor de crepitantes chamas nas lareiras, cujas labaredas nos mantêm reflexivos, a filosofar sobre as lições que nos traz o tempo com suas mudanças.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

CONVITE AO DESPRAZER


Drogas e o tráfico, permanente assunto da atualidade. FHC defendeu a descriminalização do uso da maconha. Declaração polêmica e controversa! Arguiu a falência do sistema, sustentando alavancar a disseminação da droga, com aumento da traficância. Fenômeno similar, acrescento, ao avanço da corrupção e da safadeza: há dois mil anos as religiões pregam o amor ao próximo, sem resultado. Parece ter soado o alarme da inoperância da política de retaliação, que estaria a exigir uma correção de rumos. A sociedade, forjadora de conflitos, fomenta o consumo da droga, como recurso extremo para apaziguar angústias. Mazelas agravadas por problemas familiares, indiferença, baixa estima, competição... Brutais os males intercorrentes: formação de gangues, promiscuidade, violência, morticínio! Sob o influxo da droga, mata-se friamente, com requintes de perversidade; assaltos, sequestros e estupros são perpetrados sob o estigma do vício! Descriminalizar, dizem, não significaria legalizar. Cogitar-se-ia apenas de normatizar o cultivo e o consumo da maconha. Verdade que não é prazer aquilo que se reconverte em dor. Impenderia investigar os fatores determinantes dos desajustes psicossociais, represando a compulsiva fuga da realidade, o convite ao desprazer. Regulamentado o uso da erva e seu cultivo, há quem alegue resultaria a redução do número de dependentes. A tese não é de todo convincente. Sem usuário, não há droga! Eis aí o fulcro da questão. Impõe-se redobrar a vigilância fronteiriça e redirecionar o enfoque para reprimir consumo, através de campanhas educacionais e aplicação de penas alternativas aos dependentes. Utopia? Sonho de uma noite de verão? Desgraçadamente, prospera um forte comércio da droga, bem acobertado por inconfessáveis interesses de poderosos, mancomunados com quadrilheiros e traficantes.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

NA ROLETA DA VIDA


A invenção da roda constituiu progresso e convite à obesidade. Com refinada ironia, alguém disse: o cavalo já foi um erro... Automóvel, sonho e fantasia do brasileiro! Antes, propriedade exclusiva de abastados; hoje, objeto de consumo ao alcance da maioria. Símbolo de poder e ascensão social! Corolário disso: sedentarismo, ruas abarrotadas, engarrafamentos, ruídos infernais, emissão de gases tóxicos e asfixiantes, empestando a atmosfera. Coquetel de malefícios, cujos prejuízos orgânicos e emocionais trazem danos à saúde e ao erário. O tropel de mortandade, que o carro acarreta, pode ser equiparado aos extermínios por armas de fogo! A progressiva potência acelerativa dos novos motores possui similitude com máquinas mortíferas, em mãos de irresponsáveis! Impõe-se, assim, a educação de trânsito nas escolas, a necessidade de melhor critério seletivo para habilitações, bem como a exigibilidade de rigorosos testes psicológicos para futuros candidatos. Apesar dos pesares, eu me confesso cativo admirador dos veículos automotores, da sua aerodinâmica, funcionalidade e conforto. Acima de tudo, da faculdade que nos proporcionam de esvoaçar caminhos, galgar distâncias e aproximar espaços, ao embalo de asas libertárias, tangidas pelo estrídulo ruflar dos ventos estradeiros.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

ENSAIO SOBRE O TORPOR


O bem-estar físico depende do emocional. Doenças são de natureza psicossomática e decorrem da influência de fatores psicológicos sobre os processos orgânicos. Indispensável a paz interior, o harmônico equilíbrio espiritual com o meio ambiente. A receita: prevenir neuroses e conviver bem consigo próprio! O solitário Bukowski alardeava ser boa companhia para ele mesmo! Reich preconizava a terapia do orgasmo libertário! Alternativas? Por que não desprezar o torpedeio de notícias e mazelas que atordoam o nosso quotidiano? Exceções à parte, predomina o sensacionalismo, o sinistro caudal informativo veiculado pela mídia, provocando avarias na saúde mental do ser humano. Avalanches noticiosas trombeteiam o escabroso, a corrupção, a impunidade e os crimes hediondos, de molde a comportar uma análise mais acurada sobre a etiologia do sadismo. E os filmes na TV? Violência inaudita, trucidamentos, morticínio, acidentes, lobisomens, vampirismo... Envenenados pelo fragor dessa fétida descarga, corpo e alma se agitam, desalinhados, em descompasso. A saída? Criteriosa seleção ou total desligamento. Desconectado da sordidez desse massacre, só então poderá o espírito voejar nas culminâncias dos sociais enlevos, fruindo a sublimidade dos gozos inerentes à beatitude universal