quinta-feira, 27 de setembro de 2012

SAUDADE DO PASSADO





Lembro fase dourada na minha Santiago antiga. Depois, quadra dos vinte anos, numa Porto Alegre poética, dos rangentes bondes, dos bailes embalados pelo samba-canção, boleros e cuba libre. Rua da Praia efervescente, cravejada de cinemas, deslumbrante passarela onde formosuras perfilavam suas graças! No calçamento da rua, turbas de marmanjos se postavam, atentas ao mágico desfile! Praça da Alfândega, refúgio de notívagos que varavam madrugadas, em prosas intermináveis, livres de achaques ou importunações. Confeitarias, clubes sociais, restaurantes de seleta frequência cortejada por música ao vivo, afinadas orquestras executando tangos arrabaleros. Voluntários da Pátria, constelação feérica de cabarés boêmios, estrelejada pela sensualidade e meneios de enluaradas percantas, revoluteando ao som de compassos milongueiros. Poético cenário valorizado pelo semanal encontro dos conterrâneos santiaguenses, para os abraços, libações etílicas e fanfarronadas. Saudosismo? Inegável a perda da qualidade de vida a contrastar com uma época de calmaria, gente engravatada, elegante, respeitosa, que a inexorável linha do tempo se encarregou de apagar! São nostálgicos resquícios emocionais esmaecidos, soterrados por um cumulativo somatório de pragas envolvendo incompetência do poder público, promiscuidade, insegurança, corrupção, consumismo, ignorância! Culminando por tornar feia e carrancuda uma cidade que já foi sorriso...







quinta-feira, 13 de setembro de 2012

ORAÇÃO AO AMIGO AUSENTE





Chove lá fora. Tarde fria e cinzenta! Pingos escorrem na vidraça, parecendo lágrimas vertidas pela evasão do amigo para ignotas plagas. Vai-se, com ele, uma parte da gente. Ganas de chorar, porque a passagem ocorre sem despedida. Sobrevêm a culpa pelo tempo desperdiçado em tão curta convivência. Alma sangrando, sob o torturante impacto emocional! A parca não avisa quando vem! Por que, pergunto eu, no oportuno tempo não proclamei a importância do nosso vínculo afetivo? Frente ao vazio que se escancara, só então me aturde o remorso pela incúria. E é na solidão, no agônico estertor da penitência, ensombrado pelo lento perpassar das horas, que me dou conta do efêmero da vida. É quando, revoltado, em assomos de indignação, blasfemo: Deus, por que tanto amargor? Por que o castigo da perda, após a dádiva da amizade? Senhor, todo poderoso, que é só luz e bondade... por quê? Oh céus! Por quê?! Aferro-me a triste consolo: lá, nas distantes esferas, há de existir mais vida! O prematuro chamamento de quem iluminou nossa existência, terá sido - quem sabe? - para alento dos que já foram. Trazendo-nos como prêmio, talvez, no futuro, o esperado reencontro em celestiais planuras, nos umbrais de outras paragens, para o eternal abraço e o deslumbrante renascer espiritual nos etéreos páramos do além...

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

PROJETO MACABRO





Governar, em tese, seria abrir estradas, ferrovias, rotas marítimas, com incentivos a um comércio livre dos escorchantes impostos. Sangria nacional, enquanto o escoamento da produção ficar limitado a veículos de rodagem, num país continental, interligado por rodovias esburacadas. A gritaria é “ululante”! Mobilidade urbana, o caos! O governo, atrelado a poderosos grupos financeiros, concede regalias às montadoras para desova de automóveis, temendo o agravamento do desemprego! Ato contínuo, persiste em estimular o consumo, insensível à parcela dos salários já arrochada com juros e amortizações de dívidas impagáveis. Malgrado a quebradeira geral, diretrizes prosseguem voltadas para a venda de carro zero aos pobretões, prorrogando a dilação de prazos. Criminoso desprezo pela inadimplência intercorrente, impulsionada pela sobrecarga de compromissos adrede assumidos pela população. Além de paralisar a vida nos centros urbanos, o diabólico projeto há de imolar os minguados proventos de uma maioria carente, com manifesto prejuízo à saúde, educação e alimentação da prole! Não satisfeitos, os prosélitos governamentais acabam de colocar, outra vez, a mão no bolso do otário poupador, com nova redução da taxa Selic e desumana queda nos parcos rendimentos da poupança, reduzidos à metade dos galopantes índices inflacionários. Criminosa sanha que obriga a depauperada plebe a apertar os cintos frente a uma crise que se alastra, gigantesca, mascarada pela mídia.